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19/11/2019
Por René Schubert.
O olhar da psicologia para a morte e o morrer que constantemente se presentificam fenomenologicamente nas constelações familiares.
Tanatologia
É uma palavra de origem grega: Tanathos – o deus da morte e Logia – ciência, estudo.
O psicólogo brasileiro Aroldo Escudeiro define: “Uma ciência que estuda os processos emocionais e psicológicos que envolvem as reações à perda, o luto e a morte”. Evaldo D’Assumpção define a Tanatologia como a ciência que estuda a vida através da ótica da morte.
Hoje encontramos a Tanatologia no meio médico, nos meios de saúde em geral, na psicologia e psiquiatria, na filosofia e sociologia, e até no meio pedagógico educacional.
Atualmente, quando falamos em Tanatologia são recorrentes os temas: morte, perdas simbólicas, separação, processo do luto, qualidade de morte, eutanásia, bioética, aborto, estados vegetativos recorrentes, doenças sem possibilidades terapêuticas, assassinato, suicídio, fases da morte, etc.
A morte no ocidente: Interdita
O historiador Philippe Ariès, mostrou em seu livro “O Homem diante da morte”, como esta tem tido diferentes representações a cada época, mudanças quanto às atitudes, imagens, símbolos e ritos em relação à morte, apontando o atual retrato da morte como tabu, interdito pela sociedade.
Assim temos o atual conceito no qual a morte deixa de ser familiar e passa a algo temido, perigoso e velado. Um fator material importante que impulsionou esta transformação foi à transferência do local da morte. Já não se morre em seu domicílio, no meio dos familiares, mas sozinho no hospital ou locais determinados para isto.
O velório deixa de ser realizado na casa da família, pois cada vez menos é tolerada a presença do morto em casa, tanto em função de questões de higiene quanto por falta de condições psicológicas de vivenciar esta situação.
Tornou-se recorrente evitar falar de morte, bem como de ver os corpos de pessoas mortas. Tudo é muito bem maquiado, lacrado e velado. A morte do outro traz à consciência a ideia de nossa própria finitude, e por isto acabamos afastando o morto e a morte de nossas vidas.
Com esta postura, estimulamos além da negação e repressão de um fator natural à vida, o maior apego às coisas materiais e às pessoas e uma grande dependência de ilusórias promessas de continuidade e imortalidade.
Tal postura cega e tosca, tornará as perdas que temos em nosso caminhar ainda mais doloridas e, provavelmente prolongaremos demasiadamente o sofrimento em nossa vida.
Rituais de passagem
Colin Murray Parkes, psiquiatra britânico, fala sobre a importância dos rituais fúnebres para que se possa entrar em contato com a finitude e entrar em processo de luto.
“Estudei uma tribo de pescadores, nas Filipinas, que chega a fazer um ritual substitutivo para lidar com uma situação dessas. Quando um dos integrantes da tribo morre no mar e seu corpo não é resgatado, a família faz uma estátua e a veste com as roupas do morto. Eles acreditam que, assim, a alma do falecido encarnará na estátua. E é essa estátua que enterram”.
Também aponta como percebe que na cultura oriental há um melhor preparo para lidar com a morte
“No Japão, eles fazem oratórios com sinos, que, segundo creem, invocam a pessoa morta a cada vez que são tocados. Desse modo, acreditam manter-se em contato com o espírito de seus mortos. De certa maneira, é isso que a psicoterapia tenta fazer com os enlutados: ajudá-los não a esquecer seus mortos, mas a achar um lugar para eles em sua vida. ”
Bert Hellinger fala também da importância do ritual de passagem e da reverência e honra aos que se foram com gestos simples, como por exemplo, acender uma vela.
Hellinger menciona um ritual entre os Zulus no qual o morto é enterrado e após um ano, num ato ritualístico é trazido novamente para dentro de casa.
Seus familiares pegam um galho e imaginam que o Ente se encontra sentado neste. Ele está dentro de seu lar. Uma parte da oca é reservada para aqueles que já foram e lá tem seu lugar.
Rituais parecidos tem-se entre os japoneses – os altares aos antepassados e entre os índios norte-americanos – os Totens e terras sagradas.
O ritual de passagem é uma forma de presentificação e reconhecimento do que já se foi. Temos as mais diversas culturas, crenças, locais e a mesma busca de cuidar e honrar seus mortos, cada qual de uma forma:
– O enterro
– A cremação
– O desmembramento
– A mumificação
Os Marcos, Túmulos, Totens, Obeliscos, Mausoléus, Pirâmides, Símbolos de Passagem. A lembrança do que foi, para o vivo – e o lugar, para o que se foi.
A elaboração da perda: Luto
Ao se falar de morte, inevitavelmente, o tema nos conduz ao processo do luto, que se refere ao conjunto de reações diante de uma perda.
Lembramos que existem mortes e processos de luto por ausências, separações e vivência de desamparo.
O processo de luto se dará diferentemente para cada pessoa.
Quanto maior o investimento afetivo, quanto maior o apego, tanto maior a energia necessária para o desligamento e elaboração da perda
Para Sigmund Freud: “luto é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, a perda de um objeto externo e/ou interno, como o país, a liberdade, o ideal de alguém e assim por diante”.
Esta perda tem uma dinâmica externa, visível à sociedade e interna, silenciosa e invisível.
Muitas vezes se faz o luto pelo objeto externo, pelo corpo, pelo que havia na realidade, mas não se consegue fazer o luto pelo objeto internalizado, idealizado.
E a não vivencia e elaboração deste processo de luto e perda, prende simbolicamente a pessoa a esta situação, por mais tempo que tenha se passado.
A psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross descreve alguns estágios de sentimentos e afetos que se seguem à perda, que variam de pessoa para pessoa, e que podem inverter sua sequência, mas que estão envolvidos no processo de elaboração e luto:
– Negação e isolamento;
– Raiva;
– Barganha;
– Tristeza e desânimo generalizado;
– Aceitação.
Também afirma que alguns processos são importantes para elaboração do luto, entre os quais: (1) reconhecer o luto, (2) reagir à separação, (3) recolher e re-vivenciar as experiências com a pessoa perdida, (4) abandonar ou se desligar de relações antigas, (5) reajustar-se a uma nova situação, (6) reinvestir energia em novas relações.
Os profissionais Aroldo Escudeiro, Maria Julia Kovács e Colin Murray Parkes apontam e defendem os benefícios de uma educação para o luto e a morte, no sentido de falar abertamente sobre isto com crianças, em escolas e instituições.
Seguir na linha contrária à morte interdita, tornando-a novamente um fato natural: “se faz necessário que os profissionais se disponham mais a refletir e trabalhar as questões pertinentes à morte e a perda, pois com certeza isso facilitaria a sua prática e seria um grande ganho para a sua vida pessoal” (ESCUDEIRO, 2005)
As Constelações Familiares e seu olhar e postura, frente a morte e o morrer Bert Hellinger aponta como por meio da psicoterapia ou pelas constelações familiares acaba se trazendo à tona temáticas que tocam na morte de parentes e histórias antigas, de segredos, feridas, perdas e exclusões.
Para a psicanálise sabemos que o conteúdo reprimido tem uma ação limitadora. Ao tomar consciência de uma imagem inconsciente, posso lidar com ela. Posso reconhecê-la, elaborá-la e finalmente integrá-la e, com isto, ela passa. Porque a recordei, posso esquecê-la. Isto é saudável.
Em muitas psicoterapias, eventos dramáticos reprimidos são trazidos a luz para que sejam concluídos. Estes eventos são como um movimento que se congelou, como sucede num trauma. No caso de um trauma, o movimento é retomado até que se esgote e possa ser esquecido. É lembrado para que possa passar.
Encontramo-nos ligados aos mortos à medida que nos lembramos deles e os presentificamos em nossas vidas por esta lembrança, na forma de imagens, comportamentos, posturas.
A dor e o luto são processos necessários para que possamos nos separar daquele(a) que partiu. Aquilo que os mortos nos deram, independente se bom ou ruim, forte ou fraco, leve ou pesado, continua atuando sobre nós.
Quanto tomamos nas mãos o que nos foi dado por esta pessoa e agradecemos, deixamos que o passado passe e seguimos no presente, com os que ficaram em nossa alma.
Hellinger faz uma parábola lembrando que nas histórias de fantasmas, ou de espíritos que assombram uma casa ou família, existe sempre a referência de que aquele fantasma teve em sua história o pertencimento negado ou foi deserdado, excluído, abandonado, deixado de fora de seu sistema original.
E desta forma, ele “perturba”, até que seu lugar seja restabelecido, ou que receba um lugar.
Só quando tem um lugar, pode descansar e deixar os vivos em paz. Percebe-se isto nas Constelações Familiares, quando o excluído ou temido, recebe um lugar, abençoa aqueles que estão a sua volta e cessa seu movimento de reivindicação. Assim, quando reconhecidos e respeitados, podem partir em paz, e dão força aos que permanecem vivos.
Claro que, para obter tal reconhecimento e lugar, algo precisa ser feito. Uma imagem precisa ser recordada, um gesto precisa ser efetivado, uma compensação precisa ser feita – e muitas vezes vemos, nas constelações familiares, a reconciliação, o perdão, o tomar para si parte da responsabilidade ou ceder a responsabilidade para quem lhe é devido, são gestos, frases, posturas que trazem alívio e liberação para o sistema familiar.
“Todos, até a geração de nossos bisavôs e as vezes tataravós, que puderem ser lembrados, atuam em nosso sistema tal como se estivessem presentes. Mas atuam principalmente aqueles que, por qualquer motivo que seja, tenham sido esquecidos ou excluídos do sistema” Bert Hellinger – Anerkennen was ist.
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Referências Bibliográfica
Hellinger, B. – A fonte não precisa perguntar pelo caminho. Editora Atman, Pato
de Minas, 2007
Hellinger, B Desatando os laços do destino. Ed Cultrix, São Paulo, 2006
Hellinger, B. – Um lugar para os excluídos. Entrevista com Gabriele Ten Hövel.
Ed. Atman. Pato de Minas, 2006.
Hellinger, B. – No centro sentimos leveza. Editora Cultrix, São Paulo, 2006
Franke-Bryson, T. & Franke-Bryson U. – Enconters with death. Nightsky
Productions, Germany, 2012
Franke-Bryson, U. & Bryson T. – Trauma, Transe e Transformação: O poder da
Presença na Prática. – Editora Conexão Sistêmica
Schubert, R. – Constelação Familiar: impressa no corpo, no alma, no destino.
Reino Editorial, São Paulo, 2019
Schubert, R. – A morte e o morrer nas Constelações Familiares (Dez. 2018):
https://www.movimentosistemico.com/post/a-morte-e-o-morrer-nas-
constela%C3%A7%C3%B5es-familiares
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